O Adicional Noturno: a Valorização do Trabalho Noturno dos Entregadores
Com a ascensão das plataformas digitais de entrega, como iFood, Rappi e outras, o mercado de trabalho passou por profundas transformações, em especial para os trabalhadores que atuam como entregadores. Estes profissionais, em sua maioria, são autônomos ou operam em regimes flexíveis, o que muitas vezes resulta em relações de trabalho menos regulamentadas, com poucas garantias ou benefícios sociais. Uma das questões mais problemáticas neste cenário é a ausência do adicional noturno nas remunerações dos entregadores que operam entre meia-noite e 5 da manhã, um direito consolidado para trabalhadores celetistas e regido pela legislação trabalhista.
Este artigo busca analisar o impacto dessa ausência do adicional noturno para os entregadores de aplicativos, com foco nas promoções oferecidas pelas plataformas que pagam mais pela demanda, mas encerram-se antes do período em que o adicional noturno seria devido. Além disso, será defendida a necessidade urgente de normatização dessa categoria de trabalhadores, de modo a assegurar-lhes o adicional noturno, um direito fundamental e irrenunciável garantido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A Realidade dos Entregadores de Aplicativos
A jornada de trabalho de um entregador de aplicativos é marcada pela flexibilidade, o que, em teoria, poderia representar uma vantagem ao trabalhador que busca autonomia. No entanto, na prática, essa flexibilidade se traduz em longas jornadas e, muitas vezes, em trabalho noturno sem a devida compensação financeira.
As plataformas de entrega frequentemente lançam promoções temporárias para atrair entregadores em horários de maior demanda, como finais de semana ou feriados. No entanto, essas promoções se encerram, em geral, por volta da meia-noite, deixando os trabalhadores que continuam suas atividades no período noturno (das 00h às 5h) sem qualquer compensação adicional. Este cenário é especialmente problemático, pois o trabalho noturno, que em condições normais seria compensado com o adicional noturno de, no mínimo, 20%, deixa de ser valorizado, tornando-se "preço seco", sem qualquer acréscimo ou benefício extra.
O Adicional Noturno como Direito Fundamental
De acordo com o artigo 73 da CLT, todo trabalhador urbano que presta serviços entre as 22h e as 5h tem direito a receber o adicional noturno, que corresponde a 20% sobre o valor da hora diurna. Este adicional é uma forma de compensação pelos danos que o trabalho noturno pode causar à saúde, ao bem-estar e ao convívio social do trabalhador. A Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso IX, reforça o caráter essencial do adicional noturno como um direito inalienável, ou seja, um direito que não pode ser suprimido, nem mesmo por convenção coletiva.
A Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017), embora tenha trazido mudanças significativas no cenário das relações de trabalho, não alterou o direito ao adicional noturno. Ou seja, ele permanece como uma obrigação para os empregadores que contratam trabalhadores em regime celetista. Entretanto, no caso dos entregadores de aplicativos, que não são formalmente contratados, esse direito é ignorado, ainda que eles realizem a mesma atividade laborativa em condições semelhantes às dos empregados celetistas.
A Situação Jurídica dos Entregadores de Aplicativos
A ausência de reconhecimento formal do vínculo empregatício entre as plataformas e os entregadores coloca esses trabalhadores em uma posição de vulnerabilidade. Por não serem considerados empregados, mas sim prestadores de serviços autônomos, os entregadores ficam à margem da proteção assegurada pela CLT, incluindo o adicional noturno.
No entanto, é preciso questionar essa classificação. A jurisprudência brasileira, assim como as discussões doutrinárias, já apontam para a necessidade de redefinir o conceito de subordinação no trabalho, adaptando-o à realidade das plataformas digitais. Ainda que o entregador possa escolher quando trabalhar, ele está submetido ao controle da plataforma, que regula o fluxo de pedidos, define as rotas e impõe penalidades em caso de recusa ou cancelamento de entregas. Isso, em muitos casos, configura uma relação de trabalho mais próxima da subordinação clássica do que da autonomia plena.
A Urgência da Normatização e o Reconhecimento do Adicional Noturno
A normatização da atividade dos entregadores de aplicativos é uma necessidade urgente. A inexistência de uma regulamentação específica deixa esses trabalhadores desprotegidos, sujeitos a longas jornadas de trabalho sem a devida compensação. No caso do trabalho noturno, essa lacuna é ainda mais grave, pois o adicional noturno é um direito consolidado que não foi alterado por nenhuma das reformas trabalhistas e, portanto, deve ser aplicado em todas as situações que envolvem prestação de serviços no período noturno.
As plataformas de entrega precisam ser responsabilizadas pelo pagamento do adicional noturno, de acordo com os princípios constitucionais e trabalhistas vigentes no país. O trabalho noturno realizado pelos entregadores não pode ser desvalorizado em comparação ao trabalho diurno, principalmente quando se trata de uma atividade tão essencial para o funcionamento das cidades modernas, em que o consumo por serviços de entrega não se encerra com o fim do expediente comercial tradicional.
Conclusão
O adicional noturno é um direito fundamental dos trabalhadores que prestam serviços no período noturno, reconhecido pela Constituição Federal e pela CLT. A ausência desse direito para os entregadores de aplicativos representa uma grave violação da proteção social que deve ser assegurada a todos os trabalhadores, independentemente da forma de contratação.
A normatização da categoria dos entregadores é indispensável para garantir a efetivação desse direito, uma vez que o trabalho noturno nas plataformas digitais não pode continuar sendo realizado sem a devida compensação. As plataformas como iFood e Rappi, ao encerrar suas promoções antes da meia-noite, retiram dos trabalhadores a possibilidade de uma remuneração justa, ignorando o desgaste adicional que o trabalho noturno acarreta.
É preciso que o Estado, por meio da legislação e da fiscalização, proteja esses trabalhadores, garantindo-lhes o adicional noturno como um direito irrenunciável e, assim, promovendo a dignidade no trabalho prestado.
Albert Ramos
Gostou e podendo colaborar com nosso canal aceitamos qualquer valor $$
Comentários
Postar um comentário
Seja gentil e comente algo que acrescente...Pense!