Foda se! Sou de Direita

 A ascensão meteórica de certos artistas na sociedade contemporânea revela não apenas o poder do entretenimento, mas também a volatilidade da identidade e da representatividade. No caso de uma artista preta que encontrou no funk — um gênero que nasceu das margens, das periferias e da voz do oprimido — a sua oportunidade de ascender, a narrativa toma contornos ainda mais emblemáticos quando essa mesma figura decide romper com as bases que a alavancaram.


O funk, em suas origens, não é apenas música; é uma forma de resistência. Cada batida e cada verso, por mais simplórios que possam parecer a ouvidos desavisados, carregam a história de luta e sobrevivência. A artista que se ergueu nesse meio, utilizando uma linguagem crua, debochada, cheia de palavrões e irreverência, sem a necessidade de letras profundas, entendeu o poder viral dos versos banais. Afinal, a sociedade que consome conteúdo rapidamente, entre um scroll e outro nas redes sociais, não demanda complexidade, mas conexão instantânea. E ela soube capitalizar isso.


No entanto, à medida que alcançou o estrelato, essa mesma artista optou por um novo alinhamento: o abraço à direita, a defesa de uma ideologia que historicamente tem negado espaço e reconhecimento àqueles que, como ela, vieram da periferia, da comunidade preta e da luta LGBT+. O que antes parecia uma bandeira de luta por igualdade e representatividade, agora soa como uma apropriação instrumental para o sucesso, uma bandeira que foi abandonada quando já não servia aos seus interesses.


Aqui, surge a primeira questão crítica: o que acontece quando alguém vira as costas para aqueles que a ergueram? A transição de defensora de direitos à aliada de uma direita fascista, é reveladora. Ela expõe o quanto, muitas vezes, a busca pelo sucesso pode distorcer a percepção de pertencimento. Ao declarar, aos gritos, seu alinhamento com uma corrente que promove a exclusão e a opressão, essa artista não apenas rejeita suas próprias raízes, mas também insulta a luta que a precedeu.


A ilusão de aceitação na nova elite é perigosa. A mesma sociedade que aplaude sua performance agora, embalada pelo espetáculo do luxo e da extravagância, é a que, de maneira sutil ou explícita, jamais a verá como uma igual. Ela pode ser tolerada como entretenimento, como espetáculo exótico que reforça as estruturas de poder, mas jamais será plenamente incluída. Ao contrário, é uma peça descartável em um jogo em que as regras são ditadas por aqueles que sempre negaram espaço a ela e aos seus.


Essa transição, contudo, é reveladora de algo ainda mais profundo: a falsa meritocracia que permeia o imaginário social. Ela pode acreditar que chegou onde está por seu próprio esforço, mas ignora as condições sistêmicas que forçaram tantos outros como ela a permanecerem nas sombras. Ela foi erguida pelos seus, pela comunidade que a via como símbolo de superação, mas agora se esquece deles, e pior, passa a atacá-los.


Essa figura, antes vista como ícone de luta, hoje se alinha àqueles que oprimem. A pergunta que fica é: qual será o impacto disso? As jovens negras, LGBTs, que um dia se espelharam nela, que viram em sua irreverência e sua ascensão um caminho para sua própria emancipação, o que pensarão agora? Será que se sentirão traídas? Será que, em um momento de dor, enxergarão nela o reflexo da opressão que tanto tentam combater? Ou, em um cenário ainda mais preocupante, adotarão a mesma postura, acreditando que o caminho para o sucesso passa pela traição das próprias raízes?


Essa trajetória nos ensina sobre a complexidade da identidade no cenário artístico e social. A arte, em seu potencial revolucionário, muitas vezes sucumbe às pressões do mercado, à busca pelo reconhecimento de uma elite que historicamente não aceita aqueles que são diferentes. O que resta é uma máscara que, cedo ou tarde, cai, revelando a fragilidade de uma estrela que, ao virar as costas para suas origens, perde sua essência e, inevitavelmente, sua luz.


Portanto, a crítica aqui não é apenas sobre a pessoa que se deixou seduzir pelo poder e pelo luxo. É sobre o que essa transformação representa para a sociedade como um todo. É um lembrete doloroso de que o sistema é capaz de cooptar até os símbolos de resistência, transformando-os em aliados da opressão. A verdadeira pergunta não é "quem é você agora?", mas "quem você traiu ao longo do caminho?"


E quem paga o preço, no fim, são aqueles que ainda esperam por um novo símbolo, por uma nova voz, enquanto veem as antigas se perderem nas sombras do poder.


Albert Ramos



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Nota do autor: Este texto é uma obra literária de ficção, sem qualquer intenção de atingir ou se referir a indivíduos específicos. A narrativa aqui apresentada deve ser interpretada como uma representação simbólica de questões mais amplas, e não como um retrato personalizado de realidades particulares. Trata-se de uma síntese reflexiva, e não de um ataque pessoal ou julgamento. Qualquer semelhança com fatos ou pessoas é mera coincidência e fruto da liberdade criativa própria da ficção.

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