Amigo Cão!?
Treinar um cão é, em essência, um exercício de dominação. É o ato de suprimir a fera que habita o coração de cada cão e substituí-la por uma devoção cega. E quanto mais o cão obedece, mais se afasta de sua verdadeira natureza. O lobo, o caçador, o ser livre que um dia foi, agora é uma sombra, um eco distante, abafado pelos gritos de "senta", "fica" e "vem cá".
É uma relação paradoxal. Queremos o amor de nossos cães, mas esse amor é comprado ao custo da liberdade deles. O que nos encanta neles — a lealdade, a doçura, a obediência — são, na verdade, sinais de uma alma que foi subjugada, moldada para se encaixar em nossos moldes.
Mas e se, em um momento de descuido, o antigo espírito despertasse? Se, por um breve segundo, o cão lembrasse do que é capaz, da força que reside em seus músculos e da ferocidade que pode ser desencadeada por um simples estalar de dentes? Seria uma lembrança assustadora para nós, que temos tanto a perder.
Ao adestrar o cão, não só o protegemos de si mesmo, mas também nos protegemos dele. É um pacto silencioso: você será meu amigo, mas somente se eu puder ser seu mestre. Caso contrário, o risco é grande demais, o perigo muito real.
E assim, seguimos nesse jogo de poder disfarçado de amizade, nesse equilíbrio frágil entre a dominação e o afeto. O cão nos oferece sua lealdade, e em troca, damos a ele segurança, conforto, e uma vida onde suas verdadeiras capacidades são cuidadosamente guardadas.
Por isso, ao buscar um amigo, o homem acaba por oprimir. E ao oprimir, ele transforma o amigo em algo que não é — uma criatura submissa, dependente, que ama, mas com um amor que não é inteiramente seu. Um amor moldado, condicionado, fruto de uma relação que começou com a necessidade de dominação.
Essa é a nossa tragédia silenciosa: para ganhar um amigo, sentimos que primeiro precisamos criar um súdito. E, ao fazê-lo, perdemos a chance de conhecer o verdadeiro espírito que habita ao nosso lado, escondido atrás de olhos que, por vezes, ainda brilham com o fogo selvagem de antigamente.
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