A Era do "Acho" na mentira jornalística
A Era do "Acho"
Numa manhã de sol filtrado pela poeira dos jornais empilhados, a redação fervilhava de "achos". Não eram mais ideias, não eram mais argumentos sólidos ou raciocínios bem estruturados. Eram achos, e eles dominavam as manchetes, os editoriais, as análises. O curioso é que ninguém parecia notar a diferença, e era isso que tornava o fenômeno tão inquietante. Um "acho" aqui, outro acolá, e o mundo, pouco a pouco, deixou de se guiar pelo que as pessoas pensavam ou investigavam; guiava-se pelo que elas "achavam".
Mas quem, ou o que, teria sido responsável por essa mudança sutil? Aquele pequeno verbo, "acho", de natureza tão inocente, tão frágil, sempre precedendo uma opinião incerta, tornou-se a pedra angular de uma nova ordem de discurso. A fala que começava com "acho" não trazia consigo o peso da certeza, da comprovação ou da responsabilidade; ao contrário, ela desarmava qualquer crítica logo de saída. Afinal, quem poderia contestar um simples "acho"?
E assim, como na Alemanha dos tempos de Goethe, onde uma mentira repetida mil vezes se tornava verdade, o "acho" infiltrou-se na comunicação moderna. Não havia mais a necessidade de suprimir o pensamento complexo, bastava permitir que ele se diluísse no mar do achismo. O "penso" foi sendo suprimido, marginalizado. O verbo "pensar" exigia esforço, exigia confrontar a realidade, pesar evidências, correr o risco de errar – mas com dignidade. O "acho", por outro lado, permitia a circulação livre das meias-verdades, dos rumores, das falácias.
O jornalista, outrora um guardião do pensamento crítico, agora se via refém dessa armadilha. Uma manchete bombástica, seguida de uma cascata de achismos, logo se tornava viral. E, no eco infinito das redes sociais, cada "acho" multiplicava-se, revestido da mesma autoridade que antes pertencia às certezas. O "acho" transformava-se em jornalismo, e o jornalismo em um vasto campo de suposições.
Os grandes intelectuais, homens e mulheres que passaram a vida investigando o mundo com rigor, tornaram-se vítimas dessa sutil engenharia. Diante de um microfone ou de uma câmera, já não sabiam mais como expressar suas convicções sem preceder suas falas com um "acho". O "acho" os havia abduzido. De tanto ouvir e ler "achos", até mesmo os mais eruditos passaram a utilizá-lo como se fosse uma muleta, uma proteção contra o ataque do contraditório. Mas, ironicamente, quanto mais achavam, menos pensavam.
O processo de codificação havia sido impecável. O "acho" despistava a razão, camuflava as incertezas, e pavimentava o caminho para que a mentira prosperasse. Não havia necessidade de grandes conspirações ou artimanhas complexas. Bastava plantar o "acho", e ele faria o trabalho sujo. Os fatos, esses velhos amigos da razão, tornaram-se meros detalhes irrelevantes.
E assim, numa sociedade onde todos achavam e poucos pensavam, a verdade, aquela velha senhora, afastou-se, envergonhada. Substituída por um conceito fluido, maleável, adaptável a qualquer narrativa, ela se resignou a habitar apenas os dicionários, enquanto os "achos" se tornaram as novas verdades, estampadas nas capas de jornais e nas telas dos dispositivos. O "acho" havia cumprido seu papel. E o mundo, tragicamente, já não sabia mais distinguir a verdade do que se "achava" que era verdade.
Albert Ramos
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